Vídeo usa imagem de criança com doença rara para inventar mentira sobre vacina e pedir dinheiro
CONTEÚDO VIRAL USA IMAGENS DE MENINO COM MIELITE FLÁCIDA AGUDA, QUE MORA NA ÁFRICA DO SUL
O que estão compartilhando: vídeo mostraria uma menino chamado Vitor, que teria perdido o movimento das pernas depois de receber uma vacina da covid vencida.
O Estadão Verifica investigou e concluiu que: é falso. A criança que aparece nas imagens não é brasileira. Ele é portador da doença Mielite Flácida Aguda (AFM) e a família dele compartilha vídeos nas redes sociais com o intuito de arrecadar fundos para a compra de um aparelho que auxilia crianças com deficiência a andar. Além disso, o vídeo afirma que o menino teria tomado uma vacina vencida em 2021, quando na realidade a campanha de vacinação para menores começou em janeiro do ano seguinte. A vacina citada como a causadora da inflamação na criança, AstraZeneca, não foi usada nesse público.
Saiba mais: O vídeo compartilhado nas redes sociais afirma que uma criança de 7 anos desenvolveu uma inflamação que a impede de andar após tomar a vacina contra a covid-19. O conteúdo narra que o problema apareceu três dias após a aplicação do imunizante, que teria começado com um formigamento nas pernas em 2021, levando à paralisação total dos membros em 2023.
"Os exames mostraram que ele desenvolveu uma inflamação grave na medula espinhal, causada pela vacina. Depois, eu descobri que o lote aplicado no Vitor estava vencido há 3 meses", narra o vídeo falso.
O conteúdo tem o intuito de pedir ajuda financeira para a realização de uma cirurgia na criança. As republicações do vídeo afirmam que a vacina usada seria a AstraZeneca. Há uma conta no Facebook com o nome "Ajude Vitor" para arrecadar dinheiro para a causa falsa.
Por meio de busca reversa de imagens (veja aqui como fazer) descobrimos que o conteúdo em português está usando imagens de uma criança que não é brasileira, mas sim sul-africana. O menino tem uma condição de saúde rara, a Mielite Flácida Aguda (AFM), doença com sintomas semelhantes à poliomielite, que provoca paralisia temporária ou permanente.
A família do garoto mantém contas no Instagram e no TikTok para compartilhar a rotina dele e para arrecadar fundos para comprar um Trexo - um exoesqueleto robótico que ajuda crianças com deficiência a andar. Abaixo, é possível ver uma imagem que compara o conteúdo analisado e o conteúdo publicado na rede social dos pais da criança:
AstraZeneca não foi usada em crianças
O início da vacinação para o público infantil só se deu em janeiro de 2022 - o vídeo checado afirma falsamente que o menino teria recebido a dose em 2021. Além disso, a AstraZeneca não foi a vacina escolhida para ser aplicada em crianças no Brasil.
A campanha contra a covid-19 para esse público utilizou a vacina Cominarty Pfizer para crianças de 5 a 11 anos. Em 2024, o imunizante passou a integrar o Calendário Nacional de Vacinação para crianças de 6 meses a menores de 5 anos.
O Ministério da Saúde recomenda a vacinação para crianças, pois esse público é mais suscetível a desenvolver a covid-19 grave e suas complicações.
"A carga do vírus nessa faixa etária é significativa, principalmente quando comparada a outras doenças infectocontagiosas e imunopreveníveis que afetam (ou afetaram antes da vacinação) as crianças no país", explica a pasta.
A Organização Mundial da Saúde (OMS) orienta a priorização da vacinação desse grupo como forma de prevenção para formas graves da doença.
Como já mostrou o Verifica, a AstraZeneca afirmou em documentos judiciais que o seu imunizante contra a covid-19 pode causar efeitos colaterais raros. O Ministério da Saúde esclareceu que as vacinas contra covid-19 continuam sendo seguras e efetivas e reiterou que os casos de efeitos colaterais são muito raros.
No caso da AstraZeneca, o que foi observado foi a Síndrome de Trombose com Trombocitopenia. Esse problema, segundo o Ministério da Saúde, aparece com muito mais frequência em quem é infectado pela covid.
"O risco de tromboembolismo venoso é duas a seis vezes maior em pacientes que pegaram covid-19 do que em pessoas sem a infecção. E isso não tem nada a ver com a vacinação contra a doença", afirma o ministério.
Vídeo utiliza matéria de 2021
Além de tirar de contexto os vídeos do menino sul-africano, o vídeo usa uma reportagem da Folha de S. Paulo, publicada em julho de 2021, com o título: "Registros indicam que milhares no Brasil tomaram vacina vencida contra Covid; veja se você é um deles".
A reportagem da Folha contou que imunizantes da AstraZeneca vencidos teriam sido utilizados em 1.532 municípios brasileiros. Após a publicação, as prefeituras negaram a aplicação de vacinas fora do prazo e afirmaram que "se tratava de erro de registro no sistema".
O Ministério da Saúde afirmou anteriormente ao Verifica que só adquire vacinas "com prazo de validade vigente e com tempo hábil para a logística de distribuição e para a aplicação das doses nos públicos-alvo".
Os imunizantes que chegam ao Brasil passam pelo controle da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) para liberação da carga. O Instituto Nacional de Controle de Qualidade em Saúde (INCQS), da Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz), também verifica os lotes para constatar se as condições de conversação, transporte, temperatura e validade estão adequadas.
Como lidar com postagens do tipo: A tática de usar histórias comoventes para receber dinheiro não é recente, mas com a internet, se torna mais difícil saber o que é verdade e o que é mentira. Ao se deparar com um conteúdo suspeito, é importante verificar se há notícias em jornais de confiança sobre aquele caso ou alguma campanha ampla.
Recentemente, o Verifica mostrou que criminosos estão usando imagens de pessoas anônimas para aplicar golpes na internet. Já mostramos como realizar a busca reversa, que também pode ser uma aliada no processo de verificação para descobrir se aquela imagem é autêntica.
Quanto se trata de vacinas, a eficácia dos imunizantes no combate ao covid-19 é comprovada mundialmente. O ato de se vacinar é também a forma mais eficaz para a prevenção da covid-19.
A vacinação infantil é recorrentemente alvo de desinformação, mas também já foi comprovado que a imunização contribui para a redução do número de casos graves, hospitalizações e mortes. Não há dúvidas de que os benefícios são maiores que os riscos.
