Exposição em Los Angeles destaca conexões entre arte, ativismo e justiça social em São Paulo
Los Angeles acolhe uma exposição que pode ser traduzida como um manifesto visual sobre como ocupar é também uma forma de construir. A mostra "Construction, Occupation" é um retrato da criatividade como resistência e da cidade como território de disputa, memória e esperança.
Los Angeles acolhe uma exposição que pode ser traduzida como um manifesto visual sobre como ocupar é também uma forma de construir. A mostra "Construction, Occupation" é um retrato da criatividade como resistência e da cidade como território de disputa, memória e esperança.
Cleide Klock, correspondente da RFI em Los Angeles
O Fowler Museum, espaço da Universidade da Califórnia (UCLA) que se dedica a explorar as artes e culturas do mundo com foco em contextos históricos, sociais e contemporâneos acaba de inaugurar a exposição "Construction, Occupation", uma poderosa coletânea de obras que cruzam arte, ativismo e justiça social — com foco nas ocupações urbanas de São Paulo.
A exposição reúne 24 artistas e coletivos, com obras em diferentes mídias: fotografias, esculturas, instalações, vídeos, livros e cartazes, que levam à reflexão sobre como os espaços urbanos e a vida de milhares de pessoas podem ser repaginados.
"Essa exposição nasceu da vontade de contar uma história que atravessa mais de duas décadas de ocupações em São Paulo, com um eixo central que vai da Ocupação Prestes Maia, nos anos 2000, passando pela Cambridge, em 2016, até a atual ocupação 9 de Julho", explicou a curadora Juliana Caffé.
Ela também contou um pouco o que significam essas ocupações: "É um movimento político, comunitário, muito organizado, muito importante no Brasil. Eles são muito estratégicos, revelam muito da cidade de São Paulo, é um movimento que, ao longo dessas duas décadas, tem se aberto cada vez mais para o circuito artístico, para a mídia independente. Tem encontrado nessas parcerias um lugar de resistência, de colaboração e isso fica claro na exposição", detalha.
Experiência interativa
As paredes externas do museu ganharam também grandes murais como parte da mostra, conectando diretamente os estudantes da Universidade da Califórnia com a memória e experiência das ocupações brasileiras.
"Você vai ver um conjunto de imagens grandes que foram aplicadas na parede por meio de estêncil e, ao mesmo tempo, o coletivo disponibilizou uma série de áudios em que esses participantes, os estudantes, vão trazer um pouco da elaboração sobre as próprias experiências, as memórias e como eles chegaram nessas imagens", conta a curadora. "Para a gente era interessante, nesse esforço da exposição, trazer esses artistas que estão trabalhando com o tema da cidade ou que estão reconfigurando ou repensando ou agindo, para criar uma ponte mais direta com Los Angeles."
"Ao invés de trazer algum trabalho pronto do JAMAC (Jardim Miriam Arte Clube), com uma iconografia e algum projeto que eles desenvolveram com grupos e locais específicos em São Paulo, a gente aproveitou a oportunidade para trazer eles aqui, para desenvolver um trabalho junto com estudantes da UCLA", contou à RFI o curador Yudi Rafael.
Quem fez essa ponte São Paulo - Los Angeles foi o professor da UCLA, Alex Ungprateeb Flynn. Como parte da programação da mostra, ele também organizou discussões de artistas de São Paulo com coordenadores da LA Poverty Department, (LAPD, Departamento de Pobreza de Los Angeles, em tradução livre) órgão que trabalha diretamente com as comunidades em situação de rua no centro de Los Angeles.
"São duas das maiores cidades das Américas. Tem várias conexões, no sentido de como foram construídas, até o rio submerso, lá em São Paulo, e o rio submerso aqui em Los Angeles", compara o professor da UCLA. "Eu acho que essas conexões de infraestrutura, da topografia da cidade, também se manifestam nas conexões em termos de afeto, de construção de comunidade e da estética dessas cidades. São Paulo e Los Angeles também têm uma tradição muito longa e importante de muralismo, de arte pública, de arte socialmente engajada. Aí veio também essa questão de moradia que virou, de algum jeito, uma maneira, um caminho para pensar em sintetizar essas conexões", disse Flynn.
Da Cracolândia para a Skid Row
Raphael Escobar, artista visual e educador social, compartilhou suas experiências da Fundação Casa (antiga Febem) e da Cracolândia, em São Paulo, tanto com os coordenadores do Departamento de Pobreza de Los Angeles que trabalham diretamente com a Skid Row (área em LA semelhante à Cracolândia), quanto com os visitantes na abertura da exposição. Ele trouxe música e vivência das ruas da capital paulista, e mostrou através de uma performance uma história de resistência.
"Trouxe o vídeo o Som da Maloca, que é um projeto que eu comecei em 2017, no qual eu tenho gravado as músicas dos artistas da Cracolândia em estúdio e produzido uma grande contra-narrativa sobre o território. Então são as músicas desses artistas junto com uma narração no qual eu conto a história da música na Cracolândia desde os anos 20 ou 30 até os dias de hoje", detalha o artista. "Esse é um trabalho que tenho muito carinho e foi se desdobrando. Começou com uma música gravada. Depois virou uma palestra, virou um disco, um filme e agora volta ao formato palestra, só que mais performática, mais musical."
A exposição "Construction, Occupation" fica em cartaz no Fowler Museum (UCLA) até 11 de janeiro de 2026 e tem entrada gratuita.