É humor ou canalhice maquiada de comédia?
A real ameaça à piada e à expressão está no uso covarde da arte para declamar todo tipo de preconceito e ser abertamente capacitista, racista, homofóbico, gordofóbico, misógino e xenofóbico, invocando cinicamente a permissão de criticar a sociedade.
Libertários autoproclamados estão armados com smartphones para atacar qualquer manifestação oposta às suas expressões. É uma dinâmica dos tempos atuais, usada com esperteza por criaturas das redes sociais e disseminada nas estratégias do marketing digital. Potencializa a influência e monetiza, atrai empresas e produtos, garante a 'publi'. Um redemoinho que cria a percepção de poder absoluto.
O humorista Leo Lins voltou às manchetes nesta semana, fez a primeira apresentação após ser condenado a oito anos de cadeia por publicar no YouTube vídeos de seus shows recheados de agressões a pessoas com deficiência, população negra, mulheres e outros grupos classificados como 'minorizados'.
Os smartphones do público pagante (700 pessoas) foram lacrados para evitar qualquer compartilhamento na internet. Apesar de esbravejar a respeito da sentença, o comediante entendeu muito bem onde o chão se abriu e tomou precauções para não cair novamente no mesmo buraco.
Protegido por um suposto salvo-conduto, Leo Lins manteve a postura e foi para cima dos temas habitualmente escolhidos. Dessa vez, ao zombar da cantora Preta Gil, que atualmente enfrenta um câncer agressivo, o comediante despertou reações de nomes fortes da comunidade artística, até então um tanto apática e opcionalmente distante das discussões sobre o humorista.
Vai ter novo processo? Amigos poderosos de poderosos vão intervir? Qual será o próximo tema da chacota?
Aliás, é realmente piada ou uma canalhice disfarçada de humor, maquiada para poder ser livre?
É tático o uso cínico e covarde da arte como mecanismo para escárnio de alvos diretos de capacitismo, racismo, homofobia, gordofobia, misoginia, xenofobia e outras ações discriminatórias, para rir do agredido ao invés de criticar, denunciar e constranger o agressor.
Também nesta semana, o Supremo Tribunal Federal (STF) decidiu que os donos das redes socais são responsáveis e devem responder criminalmente pelas publicações de seus bilhões de usuários.
O apoderamento maquiavélico da prerrogativa do artista é a real ameaça ao humor e à expressão. Quem quer dizer tudo e não ouvir nada inverte a liberdade que sempre invoca.
Uma das frases usadas para explicar o pensamento do filósofo Immanuel Kant, "ser livre é fazer o que você não quer", talvez ajude a clarear o entendimento sobre o que realmente significa a liberdade e o que diferencia progressismo de oportunismo desprezível.
