Em Itaquera, fazer música na praça exige muito mais do que um banquinho e o violão
Organizadores de luau na principal praça da Cohab 2, zona leste de São Paulo, tentam alvará de retorno há seis meses
O Luau da Praça Brasil, realizado duas vezes por mês, começou em 2019. Desde novembro do ano passado, organizadores alegam dificuldades para renovar autorização. Trajetória do evento é exemplar dos corres de quem pretende fomentar cultura na periferia.
Embora a Bossa Nova tenha eternizado a ideia de que basta um banquinho e um violão para a música acontecer, na Cohab 2, em Itaquera, zona leste de São Paulo, fazer um luau na praça principal exige esforços que vão da montagem do palco até a resolução de exigências burocráticas, passando pela complexa relação com os vizinhos.
O Luau da Praça Brasil busca alvará de autorização para retomada dos encontros musicais desde novembro de 2024. As apresentações com artistas locais eram promovidas há seis anos, desde 2019, nas últimas quintas e domingos do mês.
Segundo a subprefeitura da Itaquera, o luau “foi interrompido em razão de diversas reclamações formais apresentadas por moradores da região” sobre “som em volume excessivo, uso irregular de energia elétrica para alimentar equipamentos de som”, além de ultrapassar as 22 horas, horário máximo permitido.
A subprefeitura informa ainda que o luau pode voltar se atender as exigências da portaria sobre realização de eventos temporários. A Praça Brasil é a principal da Cohab José Bonifácio, a Cohab 2 de Itaquera – segundo o Censo 2022 do IBGE, são 210.960 habitantes.
Evento cultural exige negociação política
Para se informar, entender e aprender com o Luau da Praça Brasil, os organizadores, comerciantes, frequentadores, artistas e representantes do poder público estão enfrentando as complexidades do diálogo político real. O que acontece na Cohab 2 é um retrato do corre cultural das periferias.
No início, em 2019, organizadores admitem que improvisaram acesso a energia elétrica e extrapolaram o horário, em algumas ocasiões. Mas conseguiram um gerador e, sobre o som alto, cobram a fiscalização de estabelecimento ao lado da praça, que tem música e barulho até mais tarde.
Os organizadores alegam dificuldades para obterem autorização. Uma delas teria surgido porque, através da parceria com o Quilombo Periférico, de Guaianases, conseguiram três palcos emprestados, para três apresentações, através da vereadora Elaine Mineiro (PSOL).
“Depois disso, começaram a dificultar a realização do evento”, diz Denis Nunes Calisto, 45 anos, o DJ Denis. Em nota, a subprefeitura de Itaquera diz que a suspensão do luau “não possui qualquer motivação de cunho político, sendo pautada exclusivamente pelo cumprimento da legislação vigente e das normas administrativas aplicáveis”.
Moradores, comerciantes e músicos querem a volta do luau
Luiz Sérgio de Oliveira, 48 anos, três décadas de Itaquera, diz que o luau “não incomodava, não passavam do horário, quando passavam, era pouco tempo. Antigamente, o pessoal mais novo se reunia na praça para fazer coisas erradas, hoje em dia se encontram para fazer arte, temos que valorizar essas mudanças.”
“Eu vi pessoas que nunca cantaram, tocaram ou recitaram em público se sentindo à vontade e confiante para iniciar nos palcos abertos do luau. Você pode ser criança, jovem, adulto ou idoso, será muito bem recebido e aplaudido ali”, diz Juliana Matos de Moraes, 28 anos.
Adilson Pinheiro de Azevedo, 60 anos, um dos comerciantes mais antigos da região, diz que o luau veio para “abrilhantar, trazendo público, incentivando o comércio”. O vendedor de pipoca Renato Cleber Acorsi, 33 anos, começou com seu carrinho desde o início do luau. Para ele, o evento “dá um up nas vendas”.
Segundo Murilo Sanches Ferreira, 26 anos, vocalista da banda Grooveera, que se apresentou no luau três vezes, “muita gente não conhecia minha banda, por ser um estilo diferente, acredito que seja por falta de oportunidade. O luau agrega demais no nosso corre”.