Publicado na Abolição, romance O Cortiço é puro suco de preconceito contra o favelado
Aluísio Azevedo é hostil ao pobre, à mulher negra e ao homossexual, mas sobrevive como autor pioneiro sobre as quebradas
Publicado em 1890, O Cortiço, de Aluísio Azevedo, perpetua preconceitos, apesar de seu destaque como precursor da literatura ambientada em comunidades brasileiras. Em datas históricas como Abolição da Escravatura, renova-se o apelo pela leitura crítica da obra.
Por conta de interpretações elitistas, pelas famigeradas apostilas e resumos de obras para o vestibular, e porque poucos leram O Cortiço, de Aluísio Azevedo, o romance passa impune como clássico, mas presta enorme desserviço ao favelado brasileiro.
A obra foi lançada exatamente dois anos depois da Abolição da Escravatura, em 13 de maio de 1890. Ao contrário do chavão de que denuncia as condições de vida nos cortiços do Rio de Janeiro, embriões de favelas, o livro reforça ideias distorcidas, como a sensualidade inebriante e descontrolada da mulher negra, na figura de Rita Baiana.
Reforça também o preconceito contra o pobre, que trabalha como escravo e, ao invés de rezar ou descansar aos finais de semana, canta, dança e se embriaga, como lemos na maior parte da história.
Como se não bastasse, os negros são comparados a macacos – “monos”, na expressão recorrente no livro – e não terão futuro, assim como suas filhas e filhos.
O personagem homossexual, Albino, é descrito com clichês que vão da vestimenta às falas, passando pelo comportamento afetado, fofoqueiro e íntimo de lavadeiras, igualmente fofoqueiras.
Nem Bertoleza, a negra que trabalha incansavelmente para ajudar o português João Romão a ficar rico, tem o protagonismo que mereceria para justificar outro clichê, o da personagem emblemática que denunciaria a exploração.
Ela é pouco mencionada. Não se constitui, sequer, em personagem secundária e, quando aparece, no final do romance, seu desfecho trágico parece mais uma lembrança do autor para fechar a história com impacto do que ter sido preparada, em termos literários, para figurar como denúncia.
Essas colocações contrariam ideias antigas sobre O Cortiço. Então vamos combinar o seguinte: vamos ler o romance? Não vale resumo de internet, certo? Ler mesmo, de cabo a rabo, prestando atenção, buscando o significado das palavras incompreendidas.
Então podem aflorar mensagens iradas contra esta resenha; questionamentos a quem vier a repetir o clichê; e sobretudo uma sensação maravilhosa, que não tem preço, resultante de constatações evidentes, sem o peso da tradição literária. Será uma nova Abolição.