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Política

Brecha no Orçamento permite 'desvio' de R$ 19,9 bilhões em emendas para 4 mil cidades

Criadas para financiar projetos como hospitais e rodovias nos Estados, emendas de bancada vêm sendo usadas como moeda eleitoral pulverizada em prefeituras; a prática se consolidou no Congresso e levou o STF a reagir; Câmara dos Deputados diz que responsabilidade pelo tema cabe aos líderes das bancadas estaduais

13 mai 2025 - 09h40
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Desde 2017, quando a modalidade foi criada, R$ 19,9 bilhões em emendas de bancada estadual foram executados fora de sua finalidade original: financiar projetos estruturantes de interesse dos Estados, como a construção de hospitais regionais e rodovias. A distorção ocorre por uma brecha aberta durante o início da tramitação do Orçamento, quando parlamentares registram as emendas de forma genérica, como se os recursos fossem destinados a governos estaduais. Após a aprovação, no entanto, o dinheiro público é redirecionado diretamente a prefeituras, onde a execução é mais rápida e o retorno político, maior.

O resultado é a pulverização entre mais de 4 mil municípios, desvirtuando sua função prevista. A prática é proibida, salvo exceções, mas se consolidou no Congresso como mecanismo recorrente e levou o Supremo Tribunal Federal a adotar novas regras de controle. Procurada, a Câmara dos Deputados informou que a responsabilidade pelo tema cabe aos líderes das bancadas estaduais.

A manobra faz com que essas emendas, originalmente criadas para financiar projetos de impacto regional, acabem seguindo a mesma lógica das emendas individuais: distribuição pulverizada para Prefeituras com foco em redutos eleitorais e alianças locais.

"Elas foram criadas justamente para financiar obras coletivas, que não são possíveis executar por meio das emendas individuais. Transformá-las em repasses pulverizados é desvirtuar completamente esse propósito", afirma o pesquisador do IDP Humberto Nunes Alencar, que compilou os dados.

Parlamentares repassaram recursos do Orçamento da União para prefeituras por meio de brecha no orçamento
Parlamentares repassaram recursos do Orçamento da União para prefeituras por meio de brecha no orçamento
Foto: Wilton Júnior/Estadão / Estadão

A bancada do Rio Grande do Norte, por exemplo, que tem direito à cota igualitária de cerca de R$ 300 milhões em emendas desse tipo, destinou R$ 315 milhões em 2024 a 157 dos 167 municípios do Estado, com repasses médios de cerca de R$ 2 milhões. O padrão se repete em quase todas as unidades da Federação: desde 2017, 4.198 municípios receberam recursos pulverizados por meio desse tipo de manobra.

Para 2025, a previsão é que essa modalidade movimente R$ 14,2 bilhões, montante cujo pagamento se tornou obrigatório pelo governo federal desde 2019. Como mostrou o Estadão, as emendas de bancada vêm sendo distribuídas entre os Estados sem critérios técnicos, como população ou indicadores econômicos.

Técnicos do Orçamento ouvidos pela reportagem explicam que a distorção tem origem já na fase de aprovação do Orçamento no Congresso. É nesse momento que os parlamentares indicam os destinos das emendas do ano seguinte — e também no qual começa a manobra: deputados e senadores registram as emendas de bancada de forma genérica, como se os recursos fossem destinados aos governos estaduais.

As propostas seguem para a Comissão Mista de Orçamento, composta por parlamentares, que aplica critérios legais para evitar a pulverização. Um deles proíbe, como regra geral, que prefeituras sejam indicadas diretamente como destino dos repasses. Há exceções, mas elas precisam ser justificadas e aprovadas por um comitê técnico durante a tramitação.

Essa limitação, no entanto, é burlada por meio de uma manobra recorrente. Por lei, toda emenda de bancada fica vinculada a um ministério, que executa os recursos nos Estados. Após a aprovação do Orçamento, essa vinculação permite ao coordenador da bancada pedir à pasta que divida uma única emenda de bancada em dezenas de repasses para prefeituras.

Na prática, o ministério autoriza a troca, e o que foi aprovado como repasse estadual vira uma série de emendas individuais pulverizadas, subordinando a aplicação do dinheiro a interesses locais e eleitorais.

Em 2024, R$ 148 milhões foram aprovados para transferências diretas a prefeituras, em caráter de exceção. No fim do ano, esse valor saltou para mais de R$ 2 bilhões, distribuídos a 2.498 municípios — um crescimento de 13,5 vezes, viabilizado por essa brecha. Desde 2017, a prática já movimentou R$ 19,9 bilhões em emendas de bancada com destino a prefeituras. "A exceção virou regra", resume Humberto Nunes Alencar.

Marina Atoji, da Transparência Brasil, destaca que a brecha revela uma falha estrutural também por parte do governo federal. "Os ministérios não podem continuar tão passivos diante dessas manobras. Deveriam levar esse mecanismo à Justiça, mesmo que isso gere atritos com o Congresso e represente um custo político para o governo. É por isso que não o fazem", alerta.

Os parlamentares, por sua vez, têm interesse em transformar as emendas de bancada em algo cada vez mais parecido com as emendas individuais, com o objetivo de colher dividendos políticos pelas obras e recursos entregues, explica o cientista político Lucio Rennó, decano do Departamento de Ciência Política da Universidade de Brasília (UnB).

A lógica, diz, é permitir que cada deputado ou senador se apresente como responsável direto pelo repasse. "Assim fica mais fácil fazer acordos com prefeitos, inaugurar obras. O retorno político é muito maior quando o crédito é individualizado", afirma.

A prática já vem preocupando técnicos do Congresso. Em estudo publicado em fevereiro, a Consultoria de Orçamento da Câmara reforçou o diagnóstico ao apontar que, nos últimos anos, mais da metade dos recursos de emendas de bancada deixou de financiar projetos estruturantes. O restante foi usado em despesas de custeio, como manutenção de ruas e serviços urbanos, que costumam garantir retorno político mais imediato aos parlamentares.

O parecer foi solicitado pela deputada Adriana Ventura (Novo-SP), que criticou a manobra: "Viraram um monte de obrinhas espalhadas, só para dar visibilidade ao deputado. Era para ser coletivo, mas virou moeda de troca política", afirma.

O deputado federal Chico Alencar (PSOL-RJ), cujo partido acionou o STF contra práticas ligadas às emendas, diz que a brecha representa mais uma etapa do "apodrecimento do planejamento público e do orçamento". "É preciso estabelecer um valor mínimo para esse tipo de emenda e impedir a troca de modalidade para município", propõe.

Supremo endurece regras após avanço da manobra

Para conter o desvio de finalidade, o ministro Flávio Dino, relator de ações sobre emendas parlamentares, determinou no fim de 2024 que os repasses fossem, de fato, destinados a obras estruturantes nos Estados, como exige a legislação. A medida levou o Congresso a aprovar, no mesmo período, uma lei com diretrizes mais rígidas.

Em abril de 2025, Dino voltou a agir. O ministro determinou que o Congresso identifique os deputados e senadores responsáveis pelas indicações, e não apenas o coordenador da bancada — uma resposta à resolução aprovada pelos parlamentares em março, que abria brecha para manter a autoria das emendas coletivas oculta.

O ministro também cobrou explicações sobre o Cadastro Integrado de Projetos de Investimento, plataforma criada para monitorar a execução das obras e ajudar na identificação de repasses irregulares.

Para Felipe Salto, economista-chefe da Warren Investimentos, Dino acerta ao reagir. "Esse modus operandi é muito prejudicial. As emendas de bancada não foram criadas para alimentar relações políticas individualizadas", afirma.

O pesquisador da PUC-Rio e responsável pela plataforma Central das Emendas, Bruno Bondarovsky, concorda: "O desafio não está apenas em acabar com esse mecanismo, mas em reconstruir um sistema que equilibre justiça federativa e responsabilidade fiscal, sem abrir espaço para atalhos políticos disfarçados de cooperação federativa."

Apesar da decisão do Supremo para conter a distorção, ainda não é possível saber se ela vem sendo efetivamente cumprida. Com o atraso na aprovação do Orçamento deste ano, a liberação das emendas começou apenas em maio, e os efeitos práticos das novas regras só devem ser sentidos a partir do segundo semestre.

Para Marina Atoji, o embate entre os Poderes sobre o tema está longe de acabar, sobretudo após um ato normativo, editado em 2024, que na prática oficializa a manobra que o STF tenta barrar. "Vamos ver como será daqui para frente", diz.

Estadão
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