Globo contratou terapeuta para interpretar a si mesmo em novela há 15 anos
Trama da Globo abordou temas complexos como vício em crack, exploração sexual e pedofilia com terapeuta real como parte do elenco da novela
Em 17 de maio de 2010, há 15 anos, a Globo estreava Passione como sua nova novela das nove. Escrita por Silvio de Abreu, a trama ficou marcada por entregar ao público a personagem Clara, vilã ambígua vivida por Mariana Ximenes. Com diversos temas densos, a emissora contratou terapeuta para interpretar a si mesmo dentro da trama e fazer parte das discussões.
Terapeuta da vida real
Quase uma década e meia depois, Passione ainda é lembrada pelo mistério em torno do personagem Gerson, interpretado por Marcello Antony, e seu comportamento estranho diante do computador. Como relembre o jornalista Nilson Xavier, do Teledramaturgia, as perguntas do público acerca do que ele escondia eram muitas.
As especulações, destaca Xavier, incluíam pedofilia, necrofilia, zoofilia. Com o enredo cada vez mais cercado de tensão, a Globo tomou uma decisão que destoou de outras obras: convocou o psicoterapeuta Flávio Gikovate para entrar na novela interpretando a si mesmo.
De acordo com o Teledramaturgia, a missão do profissional na trama era ajudar Gerson a enfrentar o problema e, ao mesmo tempo, explicar ao público o que se passava com o personagem. Ao trazer um profissional real para a ficção, Passione cruzou a linha entre dramaturgia e realidade, oferecendo à audiência uma espécie de terapia coletiva em horário nobre.
Revelação polêmica
Segundo Xavier, quando enfim se revelou o mistério de que Gerson era viciado em pornografia extrema e cenas de sexo bizarro como consequência de um abuso sofrido na infância, parte do público se frustrou. Depois de tanta especulação e construção de tensão, muitos esperavam uma revelação ainda mais impactante.
O que poucos sabiam na época era que essa frustração tinha um motivo concreto nos bastidores: segundo Silvio de Abreu em entrevista ao Vem Pod Chegar, a ideia original era fazer de Gerson um pedófilo, mas o tema foi vetado pela própria Globo, considerado pesado demais para o horário.
Apesar disso, a novela já tangenciava o assunto por outros caminhos. A personagem Valentina (Daisy Lúcidi) cafetinava a própria neta adolescente, Kelly (Carol Macedo), prática que a novela expunha sem suavização.
Temas difíceis
Passione não economizou nas temáticas densas. Além da sexolatria de Gerson, a novela abordou dependência em crack, pedofilia, exploração sexual, aborto clandestino e parafilias. Foi uma das tramas mais pesadas da Globo no horário das 21h, mesmo que não seja sempre lembrada nesse pódio.
Na audiência, Xavier relembra que a primeira fase da novela decepcionou. Os índices abaixo dos 40 pontos em São Paulo, o principal termômetro da emissora, acenderam o sinal de alerta. A Globo promoveu mudanças estruturais: flashbacks passaram a ser inseridos com mais frequência, os capítulos ganharam resumos longos e cenas foram reexibidas para tentar amarrar a compreensão do público.